terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Conversinha


Mal sabia eu, depois de mais uma soturna saída nocturna
na véspera de outro sábado suado, quem eu fui encontrar.


Dois olás e uma sensação de pudor malcheiroso a boiar,
ar espesso de quem está só numa noite fria,
imerso no mais puro de um ser consigo mesmo,
tudo o que é invariávelmente estranho fica á superficie.




Lição

-Olha que se fáz tarde e o ano está a terminar,
dá tempo pra um café e um copo de água?
-Dá, mas parece que devo ter mais que fazer.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Rua Solar


Desço a rua num passo leve de quem caminha ao ritmo
a que decorre um pensamento de sonhar acordado,
paro e penso, sou tal e qual eu sou, tal e qual,
retomo a descida da rua e aceno com a cabeça para os lados,
nego e sorrio quase ingénuamente em quatro passos.


Digo apenas pra mim, há comportamentos caracteristicos
do ser, excepções no trato do mesmo manifestam-se
em alterações no comportamento, ainda que que nunca
deixem de ser comportamentos caracteristicos do mesmo ser.


Chego á porta de casa e sento-me no degrau de pedra fria,
o sol que repousa levemente sobre mim, luz que abraça
o mais sentido frio, mais frio que o da pedra onde estou,
fecho os olhos e aguardo por qualquer pensamento indistinto,
resta-me o circular sanguíneo que se encosta perto dos poros
que aquece e faz uma maior distinção no interior de sensações.


Frio.


Morno.


Até que, apenas o insensível tépido.


segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Fui ter contigo


Esperei por ti como faço sempre, sentado no banco do condutor,
indeciso que frequência de rádio ouvir, com a minha atenção dispersa
devido á espera que parece ser sempre interminável,
entretanto faço, sem descanso, zapping na rádio,
como se a culpasse de alguma forma pela minha impaciência,
passam vinte minutos que contei um a um no relógio digital e chegas,
chegaste, vejo-te a aproximar pelo espelho,
analiso cada passo que dás na minha direcção,
o que me contam eles antes de chegares perto de mim, tento não fazê-lo,
mas olho-os e penso no que me poderão eles dizer.




- Olá.

- Olá.

- Tens sono?

- Não, estou cansada de subir as escadas do castelo.




Entras no carro, e sentas-te ao meu lado,
olho para ti, para a forma como estás sentada ao meu lado,
de corpo relaxado, numa postura despreocupada, sem apetite
de sentir-me ao teu lado, sem saber muito bem o que pensar de nós,
não aceitando que este seria o nosso ultimo encontro,
a ultima vez que nos iríamos ver,
não permitindo qualquer outra colisão de pensamentos
enquanto olho com a cabeça baixa as pernas descansadas,
beijas-me,

beijamo-nos

Esquécemo-nos de que fomos antes e suprimimos qualquer depois,
sem te ter explicado todos os nossos males que nos atormentam
dentro de mim, apenas dentro de mim, o orgulho,
aquele que é apenas o meu,
que permite imperativamente que só me veja a mim,
ainda o mesmo egocêntrico sentir.



Agora sento-me, depois de ter dançado contigo,
continuo a aguardar pelo som dos passos que me façam,
novamente sair de dentro do mais sedento pelo seu próprio reflexo,
o puro narcisismo que respiro pelos poros.
Conduzo o carro até algum sitio,
até a algum sitio de ninguêm, apenas nosso.

Deito-me no tapete dourado,
vejo as nuvens que passam por entre os panos esticado
por cabos de metal, nuvens que passam todas no mesmo movimento
leve de teias de água, são pequenas e seguem-se umas ás outras
ou sozinhas, ou em perfeita manada, e eu olho-as de alto,
sozinho no tapete dourado, a ouvir musica de ritmo cadente,
citaras que vibram por cima do som de longínquos tambores,
apenas dentro da minha existência, sempre que fecho os olhos
e escuto, e vejo, e sinto apenas o que está dentro.

Sinto-te e sei a tua suave presença.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Quieto


O ar respirado, ele não é meu, respiro-o e não me pertence,
ar respirado cheio de tudo, enche-me os pulmões e passa,
através deles para todos os meus restantes orgãos,
para o que resta do meu corpo, até ficar também cheio.


Este ar que não é meu, e está cheio de tudo o que
não se diz e o que não se percebe, porque não é falado,
ninguêm se atreve a falar numa lingua que não compreende,
que a conhece no mais intimo, mas não compreende.


As memórias jovens da infância, quanto mais lembradas, mais vivas
e verdes, como acontecimentos que tivessem a ocorrer
pela germinada primeira vez, numa realidade de instantes,
passados que são novamente o presente e flutuam,
flutuam à minha frente sob este ar alheio que respiro.

sábado, 11 de outubro de 2008

Teias


Dentro do sotão decorado de teias povoadas de aranhas,
por fora de mim, roçam-se umas nas outras,
aranhas com teias e com elas suspensas por cima de mim,
com guinchos vítreos alertam-me da sua presença,
saio, rasteiro, em silêncio enquanto as olho por cima de mim.


O único local onde os mortos são bem vindos, eles não se importam,
por não se importarem e permitirem que façam ninhos
dentros dos seus corpos, onde depositam centenas de ovos dentro de
sacos amarelos, viscosos, são bem vindos.


Os mortos que caminham procuram-me, evito-os,
fazem-me voar rápido, eles caminham lentamente atrás de mim,
continuamente, e eu voo rápido, às voltas, encontramo-nos
ocasionalmente, de tempos a tempos, mas sempre,
sabem que o solo é o meu sitio habitual, a terra onde se sente,
a terra em que se sofre.


O objectivo é encontrar as duas metades da esfera de metal,
juntá-las, aguardar pelo que vai acontecer, pelo nada,
o conjunto unido que completa, que nos permite, enfim,
não ter que procurar nem fugir.


quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Descalço


Os pés que contactam com a terra, que caminham e dançam
por entre rara grama que está de raizes fincadas nas pedras,
o pó da terra cobre os corpos que dançam e caminham sobre os pés,
somos terra e grama que não cria raiz com pés nús que percorrem.


O eclipse da lua sobre a fogueira rodeada de pessoas do mundo,
talvez algumas até de outros mundos, certamente algumas,
já só falta um rasgo de lua a ser escondido pela terra,
os instrumentos e as vozes afinam-se em cima do palco.


Eu vejo tudo isto a acontecer enquanto bebo e oiço,
sentado num amontoado de troncos de madeira.


De origem desconhecida, cheiro aquilo que está á minha frente,
desde o forasteiro ao vizinho que fuma ópio á janela,
fala-se disto e daquilo enquanto se bate o pé,
diz-se que está frio com um sorriso,
aconchega-se o estomago com mais qualquer coisa,
que o mantenha ocupado enquanto as pessoas fabricam
muitissimo bem o exterior, manufactura em estado de fervura.


Em espontânea desconsciência colectiva,
a casca dura e permeável absorve tudo naturalmente,
a parte de dentro é mole e suave de tudo o que a compõe,
desde o embrionário aceitar num primeiro grito silêncioso
até ao mais atrapalhado e breve tropeçar no escuro.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Zombie


Noite longa, gente alcoolizada pelo surreal que cai e sorri,
perante o sangue que corre através da sentida sonolência,
perdidos no meio de todos, no centro deles mesmos,
no interior onde se viaja por sitios inundados pelo etilico espirito,
aquele que conversa com dizeres entusiasmantes,
com palavras convincentes de um total descrente.

Oiço, o murmurio cavo do morto-vivo, a palavra mais escura,
o sofrimento mais sincero e crú vociferado que clama pela vida,
num dialecto primordial horripilante que continua a ser impossivel,
não passivel de descrição através de qualquer engenho,
embora repetido numa espiral infinita por todos nós, crentes.


O dia nasceu, a luz finalmente suprimiu o murmurio colérico
da noite, maquilhando-o como uma brisa que acaricia
o sub-consciente adormecido no leito de uma lua sempre presente.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Laranja Fusco


Saio do quarto, deste quarto, em que sonho há muito tempo,
caminho pela rua, é quase hora do lusco fusco ao final do dia,
de oeste passa uma trovoada de verão e o sol reflecte lá a sua luz,
as nuvens, as árvores e as flores ficam com cores diferentes,
a hora azul com filtro laranja róseo que predispõe o reviver
de uma infância em que o idealismo ainda fazia parte dos
fins de tarde.


Curiosamente os melhores sonhos que tenho são pintados
por estas mesmas tonalidades, em vez das cores negras
que habitualmente os soberanam.

Verão quente, tempestade passageira de oeste que roça com gotas
mornas, como se nos quisesem contar o todo e sempre numa só tarde,
faz-me apetecer nutrir um estranho sentimento de nostalgia,
em que me faz sentir quase aflito por viver.

Como gostaria que na próxima tarde laranja rósea fosse possivel
reunir tudo aquilo que amo, para que me pudesse despedir
convenientemente de tudo aquilo que já não me pertence,
e a seguir, abraçar o que é passageiramente meu.

Volto para o quarto, este quarto, em que sonho
desde há muito tempo, quase demasiado tempo,
em que saio e volto a ele e pergunto-me
pelos estimulos que não possuo, por onde é que eles habitam,
se mais por dentro de mim, se mais por fora nas ruas,
não existe resposta concreta, embora seja a luz que esbate
na tempestade que passa ao longe que me faz querer sentir mais.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Permeável


Ao fluir com aquilo que me percorre, desde o mais profundo
ao mais minimo estimulo, entrevejo-me no meio de todos,
por entre todos aqueles que me rodeiam, passo e fico um pouco,
pelo mais superficial, pelos cabelos que cercam o pensamento,
trespasso através da pele que abraça a carne e viajo o interior.


Lá dentro encontro no cerne de cada coisa sempre o mesmo.


Pensamentos que analizam o espaço circundante ao raio sensorial,
os pensamentos que se escondem na sombra dos desejos,
que sofrem com o magnetismo da doce tentação,
que apenas é possivel de ser negada quando de intensidade insuficiente.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Proximidade


Esta noite uma nova ordem de pessoas manifestaram-se,
sangue novo, hoje reinicia-se uma nova fase lunar pela força,
de alguêm que não se julgue possuidor de uma certeza absoluta,
e assim, apresentar-ma-á.

Aproxima-se, personagem em trajes obscuros e longos de mandarim,
transporta consigo um engenho composto por três puleiros,
tapado por um pano castanho transparente, finamente bordado a azul,
sou abordado por ele com uma estranha proposta,

"Aproxima a tua mão, um dos residentes irá escolher-te."

Mergulho e sou arrastado, ao ter sido tocado,
vou até ao mais fundo de um abismo de um mar negro,
onde esvoaçam gaivotas em fogo e corvos marinhos,
o calor desaparece aos poucos, até qualquer morno conforto,
ser finalmente suprimido pela escuridão e gelo que por lá habita,
prontamente torno-me completamente singular,
passando a existir apenas dentro de mim próprio.

Lamento-me e por fim, calo-me para sempre.

Regresso quase ao mesmo momento,
as coisas jamais serão vistas da mesma forma,
o meu pensamento abrange uma nova percepção,
mais composta de terminais nervosos e mais desenvolvidos,
mais ao exterior da pele morta, passo a estar mais vivo por fora,
os estimulos passaram a entrar livremente, embora sem perturbar
a aparente apatia que continuo a dar em troca
de tudo aquilo que me é oferecido.

Agora sou disprovido de medo,
agora consigo voar por dentro de qualquer tipo de pensamento alheio,
dentro e sobre os homens.

O pacto consumado com o que se esconde na sombra do pensamento
escolhido desde a minha origem, acordado para ele desde o momento,
a invasiva aceitação a que os mergulhos no desconhecido obrigam.


Saio nú de dentro de mim e fluo em ti, agora já sei quem somos.


terça-feira, 10 de junho de 2008

Paralelo Sul


A sul, no mais escondido interior pintado a cores secas,
castanhos, amarelos, verdes disprovidos de brilho,
almas sozinhas dentro delas próprias, no mais dentro, a sul.

Aqui as viagens fazem-se num estático horizonte longínquo,
ao longe observam-se, um pouco ofuzcas, rasas cadeias de elevações,
em visão turva de miragem que dificilmente consegue limitar,
são acompanhadas por sucalcos onde repousam as sombras, a sul,
sonha-se sob uma influência de um humilde aceitar idealista.

Sentado numa cadeira, em cima de um estrado suspenso,
composto por traves de madeira, alinhadas em paralelo,
sei o tamanho deste universo de traves de madeira,
elas nunca se irão cruzar, o seu seguimento está limitado,
pela mão mortal, aquela que não consegue construir o infinito,
mão morta que a alguma altura tem que conceber um fim.

Vislumbro as linhas que elas fazem, como caminhos originários,
coloco-nos a uma dimensão de pontos que percorrem as linhas,
se o infinito fosse possivel de existir, a harmonia convergente,
a alguma altura de intersecção, seria possivel alguma perfeição,
até entre os mais rectos de juizo.

Enquanto isso, devo apresentar um rigoroso estado de asseio,
em todas as dependências, engenhos e concepções,
sempre resguardando de conspurcações e contaminações exteriores.

Valha-nos ser apenas pontos divagantes neste aglomerado de traços,

a sul.

domingo, 25 de maio de 2008

O Mal de Viver


Gotas cristaslinas, com brilho cintilante frio e cheio de vida,
que ainda de um quase estéril destilamento, transportam juras
de novos principios, sejam nas trevas ou nos breves olimpos,
de clareza profana e celestial num só.

Somos lobos, uivamos sempre ao esplendor do que reflecte na água,
choro da alma, grito sentido desta bizarra constante solidão,
aquela que todos os dias, sempre a alguma altura do dia,
seja ao encerrar ou ao abrir das cortinas feitas de palpebras,
seja num momento absoluto de surpresa, aquilo que nos invade
sem uma explicação alcançável pela nossa lógica pseudo-imortal.

Lobos que atacados somos pelas dentadas ferozes
do inverno exterior, estejamos sós ou em conjunto,
nunca conseguiremos morder com a mesma intensidade do frio,
e em matilha, a única alternativa é lambermos as feridas
em busca de algum alívio que apazigue esta interna e crónica dor.

O mal de viver que nunca cessa, o mal de viver que nos ensina
onde fica o sitio do nosso humilde lugar.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Nevoeiro Circunstancial


Vapor em suspensão, frescura hidrica que se mantém,
mistura fina de ar e água que contacta com cada poro,
hidrata a alma, obriga a ver melhor apenas o que está mais perto,
antes de olhar o horizonte, observo o chão que piso, assim dita,
inspira o mistico mundo dos sonhos quanto mais desperto estou,
quanto mais imagino o que está depois da cortina branca de seda.


Pela abstração ao que invade, complica e dispersa
minimalizo e simplifico.

Quem sou eu?
Porque pergunto por mim?


Hum?


Conduzo-me e introspecto-me, devo deixar a opinião alheia,
aquela que não a minha, aquela que nada se parece com o que é,
tenha o peso que devéras tem?

Como pesa, faz-me doer as costas tudo o que suporto,
porque o permito ser em mim, apesar de não o ser,
porque se o admito negado, pesa na mesma,
o próprio exercício interior tem a sua gravidade.

Permito mais um pouco, aquilo que for necessário,
até me atribuir na amálgama o meu papel,
porque enquanto permitir a opinião alheia só divido o meu tempo
com um mundo que jamais terá a capacidade de se importar,
tanto quanto aquilo que eu sei que tenho que me importar
até me conseguir alcançar, bebo mais um pouco
desta taça repugnal.


Quando quiser absorver todos no sentir que sentem,
que são ou que anseiam por vir a ser, deixo-me,
permito-me aceitar e impero sempre, naquilo que os fracos
e as minhas tristes putas tecem enredos de forma possante,
sem limites, ao alcance da vista composta de olhos pequenos,
tornam-se hibridos entre pessoas e mamiferos de pés caprinos,
que mijam ás gotas o seu veneno, outros, que na sua doce inocência
o lambem do chão sujo com ansia e gritam ao mundo que sabe a fél.

Admitindo isto, minimalizo e simplifico, e tenho a certeza
que o que existe depois da cortina branca, é sonho consciente
em que a escolha é senhora soberana, ninfa inspiradora paciente
e não hibrido de uma qualquer espécie que sopra aos ouvidos
com lingua bífida.

terça-feira, 29 de abril de 2008

Os mais bem esquecidos



Quinta noite, dentro do tempo que nos mostrou
o cheio preenchido pelo ócio, da natureza que se viu
e que por alguêm foi merecidamente retirado
a outro que reteve o poder soberano de um global
violentamente usurpado.

Bocejo, o côncavo expirar de um cansaço de um instante
antes inspirado, desmotivado numa superficial reflexão
não de um dia ou tão pouco de alguma hora passada,
apenas num único momento, em que me rendo ao que submerge.

Corrente fluida de seres crentes num raciocinio volátil
que se completam num quase algo, sempre obedecendo
ao infame perigo dos segundos palpites,
o risco dos segundos palpites que tão bem sabidos
sempre nos ensinaram a sua cruel natureza.

Ensinei-me com aquilo que tu aprendes-te,
em casual sequência de estimulos partilhados,
vindos dos lados mais escondidos na sombra,
por debaixo das pedras fincadas em chão de terra,
que abraça com raizes antigas que já não transportam vida,
e nelas apenas restam vestigiais seivas de memórias.

A memória morta que insiste em rasgar,
por debaixo da minha almofada,
o mundo desprezado e selado que impunha as trevas,
a memória de quando tu ainda lá estavas.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Espectro


Depois de terminar outra manhã, fim de mais uma lâmina matinal,
ela é sempre a primeira a despertar, sinto-me bem com o seu frio,
corte de aço afiado que não questiona, nele apenas é o fino corte,
aquele que impera.


Deixo de me interrogar acerca de mim, do meu estar,
do meu pra onde ir, acontece apenas por alguns instantes,
são breves, patrocinados por uma aérea sonolência,
momentos em que consigo alguma plenitude silenciosa,
como que em justa admiração por algo concluido.


As coisas que surgem acompanhadas pela solidão,
os pequenos pensamentos de tão natural insatisfação,
chegam como gélidas gotas de chuva numa manhã de inverno,
daquelas em que rapidamentente se vislumbra como vai ser
o resto do dia, nebulosidade constante que permite.



As rajadas de vento que vagueiam no exterior,
os ramos das árvores fazem dançar a folhagem nas extremidades,
em inocente desespero, são invadidas como que por espectros,
invisiveis fantasmas de noivas solitárias que trespassam tudo,
na sua aflita procura por um pacifico altar sagrado que não existe.


Desvanecem, desapareço um pouco também, necessito,
o silêncio provocado, provoco o gratuito aceitar do cansaço,
por um lado não o deveria permitir, mas ainda continua,
parece-me vital, sonho e desperto mais uma vez.

sábado, 29 de março de 2008

Ofuscante


Sangue fervilhante de novidade que celebra até amanhecer,
com corpo de sitio que permanece até ao próximo sol,
que abraça o novo dia com convicção daquilo que há-de vir,
sempre que tudo num nada conhecido queira vir.



Sol nascente que sempre há-de vir.



No corpo em que corre sangue novo, num mesmo sitio,
no tempo que antes ainda não se fazia antecipar,
o mesmo corpo, no mesmo sitio, num novo tempo,
em que decido e sou apenas aquilo que sei,
ainda não sou apenas aquilo que sei que posso ser,
sem qualquer poder soberano usurpado no comportamento,
eu, comigo, na companhia da tua doce luz.



terça-feira, 25 de março de 2008

Amanhecer



No caminho de casa observo árvores diferentes de tonalidade
talvez por a noite ter sido longa, talvez por o sentir
se fazer manifestar com o desinteresse de quem deixou de acreditar,
despreocupação que demora sempre algum tempo a aceitar,
o tempo que leva uma vida, quanto tempo leva uma vida?




O verde da folhagem das árvores é de uma côr mais seca,
como troncos, elas estão comigo nestes amanheceres,
porque normalmente tento aceitá-las como elas são e não consigo,
fazendo-me fechar ainda mais na minha auto-repulsa,
mas neste ultimo caminho senti-me com as árvores,
em quietude, partilhá-mos o mesmo silêncio.




Por vezes sou apenas uma árvore de seca folhagem
que não sabe que está prestes a cair no alto do monte
tendo apenas a pista de um explicito desenraizamento
que desde sempre fez parte de mim, e me permite errar.










sábado, 22 de março de 2008

Auto-Flagelação Electrónica


Monotons de notas sintéticas de uma influência adolescente
jogada com ante-mão de atenta missão revoltada,
nos primeiros vislumbres desta sociedade amordaçada,
já faziam antever a evolução de uma maturidade
que seria por uma força invasiva tentada no marasmo
que até certa altura ainda podia ser desligado num simples botão.


Interruptor que finda e reinicia sempre que desejado
que controla este jogo a qualquer hora jogado.


Uma existência simulada, não mais intensa que a verdade vivida
apenas mais clara de propósito e mais brevemente disprovida,
do substracto inerte que apenas um enorme nada oferece.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Doce Experiência




Seleccionados os escolhidos, por um credo desconhecido
embarcámos no aparelho que nos levaria á ilha nova,
era sabido que um grupo teste lá permanecia,
apenas nos foi dito que a invulgar aventura era para nós.


Em ilha povoada de novo sangue, seiva escolhida independentemente
de qualquer caracteristica fina ou vulgar que pudesse ser enunciada
num exterior dérmico observável, chegámos, fazemos parte
deste segundo grupo que iniciaria esta sociedade teste na ilha nova.


Partimos da terra conhecida e farta de tudo com a sensação
de aventura, rapidamente, á chegada, deparámo-nos com
a graciosa e mórbida armadilha que nos tinha sido tão docemente
agendada.


Sitio de putrefacta loucura, que mal firmámos os pés,
em terra morta já nos viamos em sobrevivente instinto
pra tentar perceber o porquê, não pela nossa sobrevivência organica,
mas pela humanidade lógica existêncial que nos restava,
numa razão que nos foi desmembrada com lámina enferrujada
suja de sangue negro de alguêm que sonhara momentos antes.

























terça-feira, 4 de março de 2008

Alto Voo


Alternativamente em suspensão extaseante,
absorvo todos no tudo que se permite a ser,
noite saturniana, noite minha que tão bem sabida,
experimentamos todo o sentir do conhecimento lunar.

Somos tudo aquilo que ao sol nos negamos a ser,
deixamo-nos ser aquilo que desconhecemos,
ansiamos e tememos arder nesta breve
e eterna combustão que queima as coisas
a que sempre nos negámos a ser.


Porque receamos a nossa própria permisão
sendo nela residente a chave da nossa mesma
libertação.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

?




Em sol de inverno nascente,
percorro mais um inicio de dia,
adolescente manhã que me questiona
acerca de tudo aquilo que não sei responder.



Demoro o tempo em justo silêncio,
o tempo que leva a aceitar-vos
o que não pode ser alterado pela vontade forçada.



Porque o sol nasceu.



Continua a subir até se por no lado oposto,
o dia não parece ser suficiente para aceitar,
o novo amanhecer está sempre mais próximo
e com ele as mesmas perguntas de sempre.





Amanhã farei diferente.








terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Reinicio


No principio havia terra, solo fértil que prometia a origem,
no principio tudo era possivel de certeza.


A manhã acordou fria e enevoada, acendi uma modesta fogueira
para aquecer as mãos que a terra haveria de volver,
olhei o terreno em meu redor, calculei-o através de meticulosas
medições, como seria o primeiro florescer?
Seria frágil de atenção e frágil continuaria a ser apesar de todo o
continuado cuidado.


Respirei bem fundo e comecei a enquadrar as primeiras estacas
elas indicavam onde seria permitido germinar, onde a presença
de ervas daninhas, florescentes infestantes, seria certa mas controlada
embora as raizes prometessem sempre ramificar o longo percorrer.

Os cortes necessários iriam ser prometidos antes de tudo, o acordo,
assinado a sangue, que jamais poderia ser quebrado, acordo em que
os cortes teriam que fazer sangrar os males, independentemente da
falsa ou verdadeira vontade.


Por um crescer maior.


segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Sólidos




Em casa de vívidas recordações estamos, em pé, no sofá,
todos expectantes por um estimulos maior, por informação
que nos alerte e consolide de alguma forma, embora a saibamos
esperamos por ela como se de uma grande novidade se tratasse.



O Pai e o Avô sentaram-se o mais relaxadamente que conseguiram,
assistiam em conjunto a mais uma noticia de guerra na televisão,
comentaram com uma quase justa indignação, mas o dia teve outro
centro de atenção mais gravitico, tornando-o unico no seu passar,


É um dia especial, hoje nasceu a primogénita (da) união,
hoje começa tudo do inicio.


Celebrado momento que, só por si, criou um portal no tempo,
em que se retrocede passando através dele, e por hora,
permanecendo no inicio o tempo desejado, o tempo no tempo
em que tudo era impossivel de saber, em que os maiores medos
e desejos se faziam sentir no profundo respirar.


Momento em que, ao passar através de tal unico evento,
são percorridas na memória daqueles que até então, tiveram parte
e pereceram de alguma forma, mas em vez da triste recordação
dos seus fins, apenas os melhores momentos em vida, em comunhão,
com as alegrias e tristezas, num vislumbre de imortalidade.



Minutos de reconciliação com os males indesejados,
males que atormentam sem a intensidade que tão usada,
acabaria por ser não merecida.


No dia, sentimos os nossos,
hoje celebramos a comunhão de todos.




terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Sabor da Coragem


A escuridao cairia sobre nós, aqui no mais alto, no pico do terror,
neste edificio abandonado, nesta carcaca metalica enferrujada,
sob a forma de prova de fogo em que nos seria colocado um enigma,
algo maquiavélico em que a sua resolução prometeria ser vital,
estrondosamente terrível.

Imagino-me a centimetros de um abismo, apenas posso existir nestes
trinta e cinco centimetros de relativa seguranca que o betão oferece,
passou tanto tempo, estou exausto mas nao posso adormecer.
Nao estou sozinho!

Se estivesse sozinho deveria sentir-me mais só, mas nao acontece,
somos três e estamos sós com toda a nossa solidão multiplicada.
Vivemos a experiência em constante alerta, pergunta-se em silêncio,

"Quem irá cair primeiro...?"

Tenho medo de cair, estou apavorado, agarro-me a uma janela,
sinto o aluminio frio, sinto-o, uma azeda combinacao
entre protecção e maldição, o frio do aluminio enaltece o meu pavor,
a minha nocção de realidade cresce, nunca me senti tao vivo.

Tenho que sair deste sitio, se tivesse sozinho ja teria desistido,
teria fechado os olhos e aceitado a minha queda como um presente
que ofereceria a mim mesmo.

Mas nao mo posso permitir, estou acompanhado.
A minha esperanca nao vai ser a primeira a cair.
Tenho que encontrar uma solucao, espero que alguem se lembre,
espero que alguêm se lembre de mim.


Nao tenho ninguem.
Ninguem se vai lembrar!

Consegue superar o meu medo de cair, nao existo, nao sou.
Nao sou digno de ter medo, não devo sequer considerar nada
nao existo, nao sou nada!

Se tivesse alguêm a minha espera teria feito como o quarto elemento
encontrava-se conosco á uns dias, não sei quantos, perdi o tempo,
ele apenas permaneceu nesta carcaca metalica alguns minutos,
eu disse-lhe pra usar um cartao com dois metros como asas,
que tudo iria depender da vontade dele...

Ele saltou sem qualquer receio, depois das minhas palavras,
ele estava feliz, estranhamente conseguiu planar como uma pena
harmoniso vôo feito á mais suave brisa.
Com a alegria dele foi tambem a luz e o calor que me deu força.

Eu sei que em tempos teria quem se lembrasse de mim,
quem se sacrificase por mim pra me salvar deste triste fim,
mas no entanto...
Apenas poderia clamar por misericordia para que tu,
friamente me ouvisses.
E nesse precisso momento saberia e deixaria de existir
mais tarde sozinho, saltaria do maior abismo que houvesse
apenas para escapar deste limbo entre o Ser e o Nao Ser.

Entao Conhecer-me-ia.

Tenho Medo...