terça-feira, 14 de outubro de 2008

Quieto


O ar respirado, ele não é meu, respiro-o e não me pertence,
ar respirado cheio de tudo, enche-me os pulmões e passa,
através deles para todos os meus restantes orgãos,
para o que resta do meu corpo, até ficar também cheio.


Este ar que não é meu, e está cheio de tudo o que
não se diz e o que não se percebe, porque não é falado,
ninguêm se atreve a falar numa lingua que não compreende,
que a conhece no mais intimo, mas não compreende.


As memórias jovens da infância, quanto mais lembradas, mais vivas
e verdes, como acontecimentos que tivessem a ocorrer
pela germinada primeira vez, numa realidade de instantes,
passados que são novamente o presente e flutuam,
flutuam à minha frente sob este ar alheio que respiro.

sábado, 11 de outubro de 2008

Teias


Dentro do sotão decorado de teias povoadas de aranhas,
por fora de mim, roçam-se umas nas outras,
aranhas com teias e com elas suspensas por cima de mim,
com guinchos vítreos alertam-me da sua presença,
saio, rasteiro, em silêncio enquanto as olho por cima de mim.


O único local onde os mortos são bem vindos, eles não se importam,
por não se importarem e permitirem que façam ninhos
dentros dos seus corpos, onde depositam centenas de ovos dentro de
sacos amarelos, viscosos, são bem vindos.


Os mortos que caminham procuram-me, evito-os,
fazem-me voar rápido, eles caminham lentamente atrás de mim,
continuamente, e eu voo rápido, às voltas, encontramo-nos
ocasionalmente, de tempos a tempos, mas sempre,
sabem que o solo é o meu sitio habitual, a terra onde se sente,
a terra em que se sofre.


O objectivo é encontrar as duas metades da esfera de metal,
juntá-las, aguardar pelo que vai acontecer, pelo nada,
o conjunto unido que completa, que nos permite, enfim,
não ter que procurar nem fugir.