sábado, 4 de dezembro de 2010

O Mosto Selvagem



A manhã acordou envolta numa neblina fria,
dança pelas ruas da aldeia um aroma,
talhas cheias de uvas em fermentação.

As primeiras chuvas trazem sempre consigo o cheiro de renovação,
do interior da terra impregnada de coisas transformadas.

O perfume do mosto selvagem, ele fica em surrateira suspensão,
sente-se no interior levitante de qualquer esperança vã,
insiste contra um consciente já fragil de vontade.

Foi lá que os homens se encontraram e lá se perderam,
encontraram-se uns com os outros,
perderam-se dentro deles mesmos.

Os sons dispersos, as musicas gastas em ouvidos cheios de barulho,
hoje fomos todos tentar novamente mais um acordar frustrado
de uma adolescência já usada e queimada numa qualquer noite esquecida.

O peso das coisas sente-se sempre nos pés fincados
na terra dos passos, a origem do pensamento,
caminham um após outro na mais arritmica realidade.

Aprendemos,
talvez, que possivelmente a divina concepção de um perfeito paralelo
seja a prova da nossa infinita imperfeição.

Em primavera pré-invernil sinto o doce repousar.
em pensamento levito até as folhas verdes que não estão ao meu alcance.
para cair mais tarde até ao chão onde repousam outras tantas já desfeitas.

Apenas os bichos-da-seda se hão-de queixar pela sua falta.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

As Pequenas Viagens

Deixa-me convidar-te para vires conhecer a minha casa,
o meu pai não vai lá estar,
vais conhecer a minha mãe e a minha irmã,
depois de as conheceres podemos ir passear apenas os dois.

Noite escondida por entre as núvens,
prédios pintados de tinta que saltou das paredes,
portas sujas de entrar, aqui não me reconhecem,
nunca me viram por cá, dá-se sempre o beneficio da dúvida
a um convidado, no meu caso, o maleficio, sendo eu um homem
convidado pela filha mais nova da familia.

Entro pela porta e fico marcado pela sujidade deixada
pelos que por essa mesma porta já passaram,
deixaram lá o seu mais forte rasto de personalidade, o medo,
deixa um cheiro de desconfiança muito próprio por onde passa.


Agora, já não somos nós que controlamos o decorrer das coisas,
nunca fomos, mas agora, certamente,
somos completamente controlados pelos comportamentos
sociais de solene ritual de reconhecimento,
que a etiqueta assim nos obriga.

O pai chegou e entrou altivo pela porta,
olhou-me apenas uma vez de relance como se já me conhecesse,
sorriu apenas para ele próprio e dirigiu-se á mulher e ás filhas,
elas cumprimentaram-no com medo e com um respeito submisso
pela incerteza de qualquer comportamento violento e impulsivo.

Em casa da Avó existem sombras de espectros que passam
sorrateiramente pela cozinha até á arrecadação escondida no escuro.

Metem medo pela estranheza que provocam
e vertigem de curiosiadade obscura.




Silêncio de cal branca caida no escuro frio do chão.



Lá fora.


Quente, sufocante, ascendente verão,
Sol a queimar desde a terra seca de pó até
á atmosfera de feno cozido servida num luar diurno.

Vestido de calor, caminho e respiro sofregamente
um ar saturado de um infinito de pessoas.

Fome de apetite, encontro insão de cortes
por laminas liquidas de sangue,
retratos de uma história acidentada,
antes de comer a carne temperada no prato
branco sujo, derramado numa limpeza ofuscante.


Espero por um estimulo que tarda demais em ser-me servido.


Confrontos de insignificancias,
população zero de divagação absoluta num nada composto de tudo.
Penso que tudo assume sempre alguma forma que os mantém algo satisfeitos.

O estomago aprecia sempre alguma confusão.

Entre o caminho da descoberta de um assassino
e o momento em que finalmente o encaro pela primeira vez,
existem traços escondidos entre as cinzas.

A que sabe a vingança?

O doce aroma que a antecipa seguido do sabor metalico de corrosão
nas narinas quando da sua final concepção.



Aviso, altamente tóxico!

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Gentes


Estrada de pedra assente, calcada por quem passou por cima,
gasta por quem se arrastou sobre ela.

Entrelaçados invisíveis,
o nosso primitivo entendimento não consegue acolher numa única linha
o que acontece em todos os livros que já foram escritos, todos os pensamentos
que ainda não foram sonhados.

Começando mais uma vez pelo principio das coisas,
sendo criança crescida de barba e leve de pensamento,
uma folha verde seco no chão e uma ponta de cigarro ao lado,
por onde passou o fumo que bafejou algum pensamento com maior incerteza.

Pensamento suspenso numa caneta, carga cheia de desabafo,
isqueiro de benzina com cerveja preta, rapaz gordo de insegurança,
rapariga vaidosa de mulher crescida, mulher vestida de bata azul numa bicilceta.

Pedra entranhada na terra por sonhos já evaporados ao vento.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Game Over


Chuva e vento por detrás do vidro molhado,
pensamento dissolvido por dentro das minhas memórias felizes,
chuva líquida e pensamento espesso,
ambos arrastam-se ao querer do vento
pela mesma percepção escorrida
de pequenos universos finitos.

Os nunca mais são tão maiores que os para sempre.

A parte de nós que aspira a um Olimpo privado
nunca se resignará a qualquer impossibilidade
criada por outrem, jamais.

No espaço paralelo criado por nós neste mesmo tempo
interior, Nós ainda permanecemos como apenas um ser
completo composto por duas metades imperfeitas.

terça-feira, 13 de abril de 2010

O lençol que cobre o corpo irrequieto

Analisando sem conseguir apenas sentir,
desconstruo a alma do ser em apenas coisas palpáveis
tudo acontece por uma razão lógica de troca justa,
tento entender qual a cola que junta todas estas coisas
o que compõe e motiva a própria existência dela,
a relação entre a gratificação e o reconhecimento,
a génese deste comportamento permanece incógnita.

Quanto mais penso, analiso e desconstruo as coisas
mais longe se encontra o meu pensamento do meu corpo.

Resta-me apenas a Arte para melhor me entender.

domingo, 11 de abril de 2010

A origem da minha mais secreta paixão




Weightless falls
Honeysuckle
Strangers - strange this
Lights from pages
Paper thin thing

Protected by the naked eye
Pearly sunrise

Nearly worn
Kneeling like a supplicant
Darkened skin
Afraid to see
Radiate
Open lips
Keep smiling for me
Darkened skin
Afraid to see
Radiate
Open lips
Keep smiling for me

Weightless cool
Honeysuckle
Fair skin - freckles
Uncut teeth
Tranquill eyes
Bite my lips - bite my lips
Under your feet

sexta-feira, 2 de abril de 2010



Leve


Espero por mim.

Com uma faca bem afiada na mão direita
e um livro por escrever na outra,
com visão fotográfica objectiva em riste,
guardo as imagens oferecidas à minha frente,
câmera céptica de película orgânica sensível.

Ele esconde-se sempre dentro de um de nós,
já o tinha encontrado em duas pessoas distintas,
semelhantes apenas na sua única e secreta manifestação
deturpada de horror.

-Não te preocupes, eu vou sempre proteger a tua beleza
imaculada de ninfa, com pele frágil de neve, volátil de vontade,
minha testemunha espiritual.
O doce aroma emanado pelo teu corpo é o ar que nutre todo
o bem e mal adormecido no berço do meu corpo.
Respiro-o e amo-o tanto quanto o odeio,
como um príncipe de umas tenebrosas trevas, vindo em conquista
pelos meus mais elevados ideais megalomaníacos.
Enquanto o teu ar for o meu, serei para sempre senhor e mestre
de todos os meros mortais satélites a esta nossa simbiose.

A tua beleza e a minha malvadez, as tuas tentações que favorece
tanto o meu medo como a minha coragem.
O teu medo, a minha coragem.

O meu medo, a nossa coragem.

A tua força inebriante que atrai os meus assassinos.


O coachar esquizofrénico dos anfíbios acalma o fervor
das minhas incertezas, partilhamos a mesma aflição,
oiço e sinto a calma proveniente de uma resignação
por um objecto há muitas gerações esquecido.

Deito-me na cama feita de lençóis de todas as coisas
e adormeço sozinho, espero e durmo pela manhã seguinte
que se aproxima cada vez mais sofregamente envolta
numa estranha leveza.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Dois, Mil e Nove


Noite desejada em toda a sua amplitude sensorial,
embora mais fria que têmpera, aos olhares trocados,
às palavras que não ficaram por dizer.


Hoje sou quem não se importa com o tempo que passa,
através das ideias que nascem em rapidez emergente,
das coisas que tiveram demasiada presença existêncial,
ideias que ainda mais rapidamente se desmaterializam
numa neblina friamente sentida em cada poro coberto.


Hoje sou quem não se importa com o tempo que corre
através das ideias, das coisas que exigem o vagar para
se perderem no esquecimento, pensamento repugnável
de piroso que devéras é, em que um silêncio composto
de poético-depressivo seria, certamente, de mais
bom gosto, mas hoje é o que se arranja.


Hoje sou o fumo que sai do interior ainda vivo,
bafo de carne em sangue quente que retém o inspirado
composto de fumo a ar exterior, processo por dentro
em pensamento travado.


Num sistema de flama lunar, engrenagem composta
por intantes de satisfação lançados para o topo da mesa,
trespassamos por dentro das almas as laminas em fogo
e como num pensamento em remissão do prazer
tudo acontece velozmente, passa e deixa de ser.