sábado, 30 de maio de 2015

Intemporalidade



  Curiosamente os melhores sonhos que tenho
são pintados por estas mesmas tonalidades,
em vez das cores negras que habitualmente os soberanam.

Verão quente, tempestades passageiras de oeste
que molham com gotas mornas, como se nos quisessem contar
o todo e o sempre numa só tarde, nutrir um estranho sentimento
de nostalgia, em que me sinto quase aflito por viver.

Gostaria que na próxima tarde me fosse possível
reunir tudo aquilo que amo, para que me pudesse despedir
convenientemente daquilo que já não me pertence,
e a seguir, abraçar o que é passageiramente meu.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Quarta Pessoa

 Apesar dos espelhos, as vibrações reflectiram-se nas pessoas,
sentadas na surrateira sombra, debaixo de candeeiros apagados
de cristal, suspensos, atentos e hipnóticos, sobre os olhares
presentes em quadros de duplicação da mesma realidade,
a terceira pessoa em mim.

  Lá fora, a chuva que adormece, continuamente, as gotas que
repousam juntas das que chegaram anteriormente, no
berço de chão molhado que criaram, sejam as palavras aéreas,
a construir uma ideia ao alcance desta mente de Homem.

  Das palavras pensadas e escritas no momento saiu a próxima ideia,
que antecedeu a surpresa das próximas palavras que iriam ser escritas.

  No mesmo alinhamento continuo, onde começaram
as primeiras, nas linhas em branco por baixo,
pareciam não ter sentido, tal como um gesto infantil
pode aparentar não ter, embora, toda a essência resida
incompreendida nesse gesto.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Ar

   No meio da avenida dos pregadores há promessas,
existe a meio dela duas atmosferas, estão em colisão,
no centro desta mesma colisão invisível de atmosferas
é formada uma cortina de vento ascendente.

   Sou convidado a entrar nesse centro ascendente,
o meu corpo eleva-se mais rápido do que a mente
espera, ela continua acente no chão, agora
por baixo de mim, de alguma forma, consigo
sentir-me a subir numa vertigem enquanto
o meu pensamento ainda julga incrédulo
as capacidades de ascensão que o mesmo
corpo onde pertence esta mesma mente
experimenta agora.

   De cima consegue ter-se uma vista mais abrangente
da avenida, aquilo que tantos apregoam às portas
das suas casas, o sentido da vida, as massas boquiabertas
de gente a engolir as diferentes verdades,
uma massa sôfrega pelo amparo, que essas mesmas verdades,
lhes irá curar o mal, do medo antes de adormecer.

   O conforto e a luxúria, a felicidade e o amor,
atropelam-se nas filas, a ver se lhes calha
em primeiro lugar os oásis sagrados,
na avenida vendem-se oásis com stock limitado,
na altura deste vento ascendente existe
apenas a percepção completa do mundo, e o ar,
este que me rodeia, é oferecido a quem o quiser respirar.


quarta-feira, 23 de abril de 2014

Ilha

   Tinta sobre o papel, desenhos de palavras pintadas a preto,
gravadas pelo pensamento não reflectido, instante de sombra
sobre um momento de luz.

   Sol e água numa superfície viva de luz em estado líquido,
antes era o vapor da neblina onde o pensamento adormecido
se dissipava num conto que ficou por terminar, na história
que teima em não alcançar o seu fim, mais que por qualquer
vontade, apenas porque a vida é mesmo assim.

   O mistério apresenta-se quando se julga já se ter tudo resolvido,
no conforto da resolução de tanto se saber algo, de tanto se saber
ter, querer continuadamente e através desse querer, aprofundar
a relação ao próximo nível de proximidade.

   Debaixo da superfície viva de luz, dentro da neblina de vapor,
existe o todo que apenas nos vai sendo apresentado através
de fotos de um albúm eternamente incompleto.

   A tarde passa como o vento que sopra sobre mim,
finalmente chegaste ao banco onde espero sentado.

terça-feira, 18 de março de 2014

Nós


    Nesta ilha de metal, sozinhos de todos, existimos,
dentro dela tentámos sentir o que de dentro quis sair,
fugimos os dois em gelo falso, do grupo que nos insistia
converter à fria mortandade, por todos eles aceite e regurgitada,
colocámo-nos em prancha de abismo, e enquanto eles riam
em matilha, abraçámos o nosso mundo e saltámos um com o outro.

   Demorámos o nosso tempo a cair, breve tempo,
durante aquela queda amámo-nos como pudémos
quase que durou o suficiente pra ser uma eternidade
mas foi pouco, fomos fugazes no querer do nosso espaço.

   Nadámos no lago onde caimos juntos até uma gruta,
no seu interior fomos separados por uma cortina de água,
o chão sobre os nossos pés abateu-se, ficando um vazio,
flutuámos naquilo que ainda restava de nós, o vazio absorve,
o vazio dispersou o que restava de nós dois, sem nunca findar,
apenas dispersou até quase saires da minha visão colorida.

   Vôo o mais que posso, com todas as minhas crenças
forço-as ao limite de uma justiça maior e saio da gruta,
sobrevoo o lago, sobrevoo os homens que se senhoriam,
admiro-os com pesar, eles ainda não entendem a altura,
desço de volta até á gruta e fecho os olhos, adormeço,
a escuridão dela acalma-me enquanto passeio o seu interior,
faço dela o meu verdadeiro lar, onde a sua presença dispersa
estará sempre lá para me dar o calor de uma palavra infinita
que se desprendeu do seu olhar na gravidade da nossa queda.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Coragem

             Desenho de um sonho no final de adolescência,
          momento em que a "batalha" de  abraçar este Le Mal de Vivre
          foi, finalmente, iniciada.





quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Submersos

  Enquanto chovia lá fora ela estava sentada no chão,
dentro da pirâmide de vidro, ela olhava para o mapa e
pensava noutra coisa qualquer, eu tirava fotografias
às gotas de água que escorriam pela pirâmide,
ela inventava coisas pra fazer, talvez,
eu olhava a chuva a cair, fotografei um casal de adolescentes,
que lá fora, debaixo da chuva abraçados não se importavam,
abraçados um ao outro e abraçados ao mesmo tempo pelas
gotas que lhes caiam em cima, sentei-me ao lado dela e
mostrei-lhe a foto, sorriu-me.

  As núvens de chuva passariam e iriam dar-nos a oportunidade
de sair sem nos molharmos, o estado líquido que nos fluia
e misturava já era da profundidade de um oceano.

  Era a véspera do ultimo dia daquele breve tempo em que
tivemos juntos, os silêncios que ocorriam eram a saudade
já a magoar-nos por antecipação, sugeri-lhe irmos para casa,
não me estava a apetecer conhecer mais daquela cidade,
ansiava por voltar ao universo onde poderiamos
pertencer um ao outro, à torre, sem a distração de outras pessoas
ao nosso redor, sem o pretensiosismo que era a beleza
daquela cidade face à nossa intimidade.

  Ainda hoje não sei classificar a imensidão do que senti,
mesmo passado este tempo, demasiado e nenhum,
mesmo sabendo que a vida continua, de alguma forma,
e se disser que foram os momentos mais completos
que alguma vez vivi, não será ousadia, mas sim
reconhecer apenas a verdade na sua forma mais humilde e pura.

  No dia seguinte,  no avião, a contemplar o pôr-de-sol
que durou a viagem quase toda, nas núvens e nas núvens,
duplamente, triste mas feliz, completo, pensei,
se o avião cair neste momento, encostar-me-ei e
irei sorrir de olhos fechados, sorri-lhe.


quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

A Torre

  Dentro de cama coberta entramos com a curiosidade desperta,
aconchegamo-nos ao calor crescente dos lençóis que nos envolvem,
ela encosta-se a mim como se me conhecesse as formas do corpo,
as formas de encaixe que mais entendem uma mente irrequieta,
e uma simbiose com arrepios de pele quente é-nos apresentada.

   Lá fora a cidade acontece sem a nossa presença,
estamos numa dimensão de tempo interior a nós,
protegidos pela gravidade deste universo recém descoberto,
respiro este ar que compõe a sua atmosfera de sentidos,
os ponteiros do relógio que contam este tempo,
giram alternadamente ao ritmo de cada instante,
em que as horas crescem até ao infinito.

  Deitado na cama, vejo-te a olhar as luzes lá de fora pela janela,
a escutar os sons misturados de vidas alheias a acontecer,
a tua pele nua reflecte o brilho ténue da pouca luz que entra
neste universo só nosso, toco-a porque a gravidade ordena-me,
voltamos à nossa órbita que passa entre esta noite quieta e as
palavras de um soneto escrito por um deus que contemplou
Vénus pela primeira vez.

   Na vertigem do topo desta torre de esmeralda,
onde as ideias são pertença de um desígnio maior,
eu e tu a sermos a génese do tempo real, mesmo sendo finitos,
com um simples toque vimos nascer a imortalidade num instante.


terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Tempo Secreto

  As ideias acordam desarrumadas comigo,
aquelas que deitei no frio da noite anterior,
as mesmas que me embalaram ao de leve,
deitado na cama dos pensamentos justos,
em que os olhos fecharam sem contar o tempo,
porque nos sonhos não existem relógios.

  Tenho a coragem de me levantar de novo,
oiço as notícias do dia e visto-me sem pressas,
dou o primeiro passo ao vestir as calças,
o segundo, mais seguro, a olhar a luz tímida do dia,
o terceiro, não o conto, será o primeiro dos esquecidos.

  Defino missões e aconchego os sonhos no lugar deles,
saio de casa e deixo a desarrumação com a cama por fazer,
as inquietações acompanhar-me-ão durante o dia completo,
não exijo nada nem me irei queixar a ninguém,
agora apenas sinto e contemplo o que de melhor se esconde,
caminho e mais contemplo ainda a luz que me toca.

  Lembro-me de ti, óh sempre presente, não te incomodo,
a paz da minha ausência toca-te no esquecimento,
sei que existes e agradeço-te a um deus inventado por mim.



terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Antes da Palavra

  Amor, noção de afecto mais relativa que pode existir,
toda a gente tem uma noção dele, sem se aperceber que
nenhuma é igual, da mesma forma que até os sentidos
mais directos são únicos na percepção das mesmas coisas,
tais como os cheiros, os sabores e as cores, apesar de parecerem
comungar de uma sintonia universal a todas as pessoas,
são na verdade, uma percepção volátil, não definida entre
o preto ou branco mas dispersa ao longo de um espectro de cinzentos.

  Ainda assim, o mérito do mesmo reside na ousadia
de pintar este quadro a duas mãos, numa tentativa
de uma tonalidade o mais próxima possível,
cada esboço singular de cada uma das mãos compõem
uma figura, criação esta que apenas surgirá se a sensibilidade
for semelhante entre estas duas mãos, o resultado final, a obra,
esta sim, estará mais próxima de uma verdadeira definição
da própria palavra.

  Sendo a cor, a percepção sensorial do mundo,
e a figura desenhada, a forma concreta ou
antevista na grandeza e significado da palavra.