quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

A Torre

  Dentro de cama coberta entramos com a curiosidade desperta,
aconchegamo-nos ao calor crescente dos lençóis que nos envolvem,
ela encosta-se a mim como se me conhecesse as formas do corpo,
as formas de encaixe que mais entendem uma mente irrequieta,
e uma simbiose com arrepios de pele quente é-nos apresentada.

   Lá fora a cidade acontece sem a nossa presença,
estamos numa dimensão de tempo interior a nós,
protegidos pela gravidade deste universo recém descoberto,
respiro este ar que compõe a sua atmosfera de sentidos,
os ponteiros do relógio que contam este tempo,
giram alternadamente ao ritmo de cada instante,
em que as horas crescem até ao infinito.

  Deitado na cama, vejo-te a olhar as luzes lá de fora pela janela,
a escutar os sons misturados de vidas alheias a acontecer,
a tua pele nua reflecte o brilho ténue da pouca luz que entra
neste universo só nosso, toco-a porque a gravidade ordena-me,
voltamos à nossa órbita que passa entre esta noite quieta e as
palavras de um soneto escrito por um deus que contemplou
Vénus pela primeira vez.

   Na vertigem do topo desta torre de esmeralda,
onde as ideias são pertença de um desígnio maior,
eu e tu a sermos a génese do tempo real, mesmo sendo finitos,
com um simples toque vimos nascer a imortalidade num instante.


terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Tempo Secreto

  As ideias acordam desarrumadas comigo,
aquelas que deitei no frio da noite anterior,
as mesmas que me embalaram ao de leve,
deitado na cama dos pensamentos justos,
em que os olhos fecharam sem contar o tempo,
porque nos sonhos não existem relógios.

  Tenho a coragem de me levantar de novo,
oiço as notícias do dia e visto-me sem pressas,
dou o primeiro passo ao vestir as calças,
o segundo, mais seguro, a olhar a luz tímida do dia,
o terceiro, não o conto, será o primeiro dos esquecidos.

  Defino missões e aconchego os sonhos no lugar deles,
saio de casa e deixo a desarrumação com a cama por fazer,
as inquietações acompanhar-me-ão durante o dia completo,
não exijo nada nem me irei queixar a ninguém,
agora apenas sinto e contemplo o que de melhor se esconde,
caminho e mais contemplo ainda a luz que me toca.

  Lembro-me de ti, óh sempre presente, não te incomodo,
a paz da minha ausência toca-te no esquecimento,
sei que existes e agradeço-te a um deus inventado por mim.



terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Antes da Palavra

  Amor, noção de afecto mais relativa que pode existir,
toda a gente tem uma noção dele, sem se aperceber que
nenhuma é igual, da mesma forma que até os sentidos
mais directos são únicos na percepção das mesmas coisas,
tais como os cheiros, os sabores e as cores, apesar de parecerem
comungar de uma sintonia universal a todas as pessoas,
são na verdade, uma percepção volátil, não definida entre
o preto ou branco mas dispersa ao longo de um espectro de cinzentos.

  Ainda assim, o mérito do mesmo reside na ousadia
de pintar este quadro a duas mãos, numa tentativa
de uma tonalidade o mais próxima possível,
cada esboço singular de cada uma das mãos compõem
uma figura, criação esta que apenas surgirá se a sensibilidade
for semelhante entre estas duas mãos, o resultado final, a obra,
esta sim, estará mais próxima de uma verdadeira definição
da própria palavra.

  Sendo a cor, a percepção sensorial do mundo,
e a figura desenhada, a forma concreta ou
antevista na grandeza e significado da palavra.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Demasiado Atento

   Demasiado parecidos, diz que somos demasiado parecidos,
se nos defeitos, nas virtudes ou na sensibilidade permeável,
não diz, em qual desses aspectos, apenas diz que somos
demasiado, em excesso, à partida, ser parecido com alguém
deveria ser uma coisa positiva, mas quando se usa essa
categorização como defeito, significa várias coisas,
a paranóia, o pessimismo, a descrença, a superficialidade
forçada e a negação de si mesmo através de uma análise
espelho aos defeitos intrínsecos reflectidos no outro.

  Corre o mito juvenil que os opostos se complementam, existem, 
pessoas que acreditam nestas palavras, as mesmas que usam
frases do tipo "só me arrependo daquilo que não fiz"
como se a ousadia de errar fosse sabedoria maior, certamente,
todo o assassino necessita de uma vítima, uma relação em que
se confirma esta teoria, agora, virem-me dizer que existem
pessoas que não se podem relacionar porque são demasiado
parecidas, quando a procura, aquela que não se procura,
mas que se encontra, a mais refinada das descobertas,
são, na verdade, duas pessoas do mesmo carácter e valores,
com experiências e vivências singulares a cada uma,
que irão aprimorar-se uma à outra através de uma partilha maior,
evolução maior que apenas um entendimento e uma sensibilidade
comum podem alcançar.

   Demasiada saúde, demasiado feliz, demasiado completo,
demasiado perfeito.

   Existem pessoas que, simplesmente, precisam de sofrer
um pouco mais até que entendam a demência da sua ilusão
intelecto-aristocrata, que pegam em metáforas e as usam
indiscriminadamente, desprezando o poder mortal
e ambíguo das mesmas.

Talvez lhe seja demasiado cedo para um maior entendimento.