sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Acropolis

   Olhos de morte, por mais que lhe queira bem,
aquele olhar enevoado de quem poderia ter engolido
mil almas, ou apenas ter perdido a sua,
continuava igual, sem resolução à vista.

Nenhum amor a fez mudar um único brilho baço.

   Eu tenho esse amor para dar, mas nenhum gesto
da minha parte parece estimular qualquer tipo de reação,
os seus olhos apontam para um sitio que desconheço,
um sitio muito longe, um sitio nem dentro nem fora do corpo,
o sitio onde os pensamentos se tornam a única realidade.
Onde os fantasmas esperam.


   Hoje faz 5 anos que a minha avó morreu,
ela gostava muito de mim e eu fiquei a vê-la
a apagar em gradiente toda a luz nos seus olhos
numa cama de um lar, sem nenhuma palavra
e sem nenhum olhar confidente.

   A casa decorada de bonecas de trapos
e retratos de familiares em cima de cómodas,
baús de roupa velha onde repousam naprons
bordados com flores, as paredes caiadas
numa superfície irregular pelas quase infinitas
camadas de cal sobrepostas ao longo dos anos,
as portadas pequenas, gastas nas arestas pelas coisas
que lá bateram, móveis, alguns passos mais descuidados
que fizeram roçar botas pesadas, passagens mais iradas
e outras mais sonolentas.

   As tardes em que brincava sozinho no chão
com exércitos de plástico, em que quase adormecia
com a cara deitada a sentir o frio, depois ia para uma cama
num quarto menos iluminado entrar em estados de hibernação,
colchão cheio de esponjas, irregular e confortável,
ficar pasmado a olhar para uma santa na parede
por cima da minha cabeça, os meus olhos fixavam-se nela
e imaginava o céu, imaginava que era confortável
como o colchão de esponjas e que o silêncio era
o mesmo que harmonizava de inquietações aquele quarto escuro.

1 comentário:

Red Angel disse...

As memórias trazem-nos sentimentos que o presente é incapaz de criar e nos fazer sentir...

Á tua avó!