domingo, 2 de dezembro de 2007

Dentro do Tempo


Nasci num tempo em que tudo era de todos.


Num tempo em tudo era de todos os que ousassem sonhar,
num tempo em que o próprio tempo tinha uma outra dimensão,
dimensão que se fazia sentir diferente nas pessoas, o acordar
soava diferente, com o galináceo que sempre admirava o primeiro sol,
o caminhar que era mais manso e compassado de introspecções
puras e sabidas no sofrer, sofrer que ensinava activamente e que
nos mantinha nos nossos humildes lugares.


Tempo em que pensava que não tinha nada, e enquanto o fazia,
de barriga vazia caminhava o verão sobre a estrada de terra e pó,
de lama e ervas rasteiras, nos frios e chuvosos invernos,
ao atravessar pequenos ribeiros, observava os pequenos afluentes
que os formavam, que nos ensinavam com um pouco de pão duro,
um pequeno pedaço de toucinho amarelo de intenso ranço,
concentrado de amargo.


Sempre no mesmo modo miserável,
de roupa rasgada e descalço de animo arrastado
motivado apenas por aquilo que existia dentro,
sem influências exteriores, sem vidas de televisão, sem máscara
sem falsos profetas que simulam estender a mão
fingidamente calejada, sem exemplos modelo daquilo que seria
o ideal e o mais alto saber viver.


Sem a masturbação social que hoje existe,
que em tudo cria um querer ser.



Um dia quis ter mais, ter algo que me elevasse um novo estado
que me desse mais soberba, e assim invadi-me com ideias
senti a minha própria invasiva grandeza, como já a sonhara,
como todas as outras impiedosas, e sempre cruéis,
tomadas territoriais, com o sabor do aço na boca
o sangue a ferver por todo o corpo.

Coroei-me de grande e único senhor
de tudo o que a terra haveria de dar,
e tomar através dos altos céus, das profundas águas
do infernal fogo que, através dele, haveria de purificar e imperar.

No tempo em que tudo era de todos.

2 comentários:

Asmina disse...

Gostei! O espirito é esse, querer sempre mais. Porque sim, porque merecemos!
Respondendo ao teu comentário:Não quero o mundo porque o mundo já é meu, quero algo mais e melhor que este mundo!

world_wide_broadcast disse...

gostei da tua poesia, acerca da mensagem da mesma,penso que não é claramente positivista nem totalmente negativista, talvez se situe numa zona cinzenta? podias elucidar-me?